Jovem em medida socioeducativa lança livro de receitas na Bahia: 'educação como agente de transformação'

Jovem em medida socioeducativa lança livro de receitas na Bahia: 'educação como agente de transformação'

 

Um jovem em medida socioeducativa na Fundação da Criança e do Adolescente (Fundac), em Salvador, lançou, nesta semana, um livro de receitas. Identificado pelas siglas W.V., o aluno da Escola Municipal Yves de Roussan, que fica dentro da unidade da Fundac, em Salvador, colocou na obra o seu interesse pela cozinha, alinhando a isso, a dedicação aos estudos para seguir um novo caminho.

Intitulada ‘Merendando com W.’, a obra reúne 13 receitas diferentes, que surgiram depois que o jovem participou de uma oficina profissionalizante de padaria. O resultado foi tão positivo que a escola se envolveu no projeto diagramando, revisando e publicando.

 


Em conversa ao g1, a diretora adjunta da Fundac, Fabiana Burity, e a diretora da Escola Municipal Yves de Roussan, Ivete de Araújo, contaram como foi o processo de criação do livro.

De acordo com a gestora da Fundac, o livro foi um projeto em conjunto, que envolveu muitos profissionais. Quando o jovem chegou à instituição, foi realizado um diagnóstico o qual concluiu que, apesar da idade, ele tinha um processo de alfabetização precário, com dificuldades para ler, escrever, além de outros fundamentos escolares.

Durante a prática de conhecimento das oficinas profissionalizantes, o autor do livro mostrou interesse em trabalhar com padaria, e a partir disso o processo foi tomando forma.

    ''O processo da criação do livro se deu a partir de um diagnóstico que fizemos aqui. Nas unidades oferecemos atividades profissionalizantes, uma das profissões que ele sinalizou foi a padaria. Então ele foi inserido na oficina de padaria, e a partir daí começou a sentir mais necessidade na questão da escolarização''

A equipe da unidade, juntamente com a equipe da escola, desenvolveu o projeto para que ele criasse um livro de receitas, como forma de estimular o processo educacional do aluno.

    "O projeto é para o plano individual de meta dele".

A diretora da escola, Ivete de Araújo, relata que no início, o livro seria um projeto exclusivamente pedagógico, que teve início em setembro de 2021, após um atividade de português, quando a escola produziu um outro livro também de receitas, com a participação de diversos jovens em medida socioeducativa. Durante essa produção, W.V. se destacou.

No final de novembro de 2021, a professora de português sugeriu que W.C. escrevesse suas próprias receitas, e foi então que a produção do resultado lançado neste ano, se iniciou. Um dos professores do aluno, com conhecimento de computação gráfica e design, se uniu na produção da obra, juntamente com o autor, dando uma forma especial ao livro.

    "Não iria ser um livro impresso, seria em uma impressora comum, mas usamos a parceria com a secretaria municipal de educação e eles imprimiram 50 exemplares na gráfica".

Inicialmente, a tiragem foi pequena, destinada somente aos professores e para a biblioteca da escola. Mas, o projeto cresceu, e se tornou ainda mais importante. O jovem participou de todos os processos de confecção, desde a escolha das imagens, modificações das receitas e a escrita.

    "A juíza do caso amou a ideia e aí acabamos fazendo um baita lançamento. Até porque foi ele quem deu a ideia para tudo. Ele escolheu as fotos, as receitas, fez a dedicatória''.

As professoras relataram que há projetos para o livro ser comercializado, e que essa ação que só não começou ainda devido aos processos legais da medida de privação à liberdade. Há uma enorme torcida para que a escrita abra novas portas e seja só o começo de uma nova vida.

    ''Existe um projeto para que no momento que ele saia da unidade ele possa dar continuidade e possa fazer a divulgação do livro dele'' relatou Fabiana

    ''É uma nova oportunidade, um novo caminho, e esse é o foco do processo. Ele disse que seria capaz de escrever um livro e ele foi'', conta Ivete

Um exemplo

Durante a cerimônia de lançamento do livro, os colegas de W.V. estavam presentes, e receberam exemplares da obra. A ação teve como objetivo inspirar outros alunos.

    ''Quando eles vêm um caminhando para um lado, eles querem ir junto, é como as formiguinhas. Então estamos aproveitando o desejo dos outros de fazer algo diferente. Ele se tornou um exemplo.''

No lançamento, o jovem atribuiu à mãe o gosto pela culinária e a inspiração para iniciar sua jornada como escritor. Ela prestigiou o momento de conquista do filho e agradeceu à rede de apoio que o ajudou a concretizar o sonho de ter o livro publicado. A emoção marcou o momento.

    ''O que mais emocionou foi o depoimento da mãe dele no dia, quando ela tanto declarou o amor e o orgulho que tem pelo filho, como deixou claro o processo de mudança dele", disse Fabiana.

Ivete, que divide o dia a dia com os professores, relatou que o sentimento é de orgulho. Ela disse que o trabalho do jovem passa a sensação do cumprimento do dever do professor.

    ''O professor hoje sente o dever cumprido, eu fiz, deu certo e eu fiz acontecer, e isso é gratificante. No dia não teve um professor que não se sentiu emocionado, e essa emoção segue entre todos eles. Os alunos passam por vários profissionais, há um conjunto de pessoas para que ele possa se apegar e segurar essa nova vitória.''

Agora o objetivo daqui em diante é estimular para que as vitórias não parem por aí, e trilhar sempre novos projetos com novos alunos.

    ''A luz não pode ser apagada, precisamos aproveitar e fazer essa luz crescer ''

''A educação é um agente de transformação''

A Fundac constrói um processo educacional com e para os jovens que cometeram atos infracionais. O exemplo de W.V., mostra como os estudos podem redirecionar os caminhos de alguém. A instituição promove uma vasta opção de oficinas profissionalizantes, para que os jovens possam se identificar com alguma, em um leque de diversidades.

Fabiana defende que essa possibilidade de escolha foi essencial para o desenvolvimento do autor do livro de receitas, e de muitos outros estudantes. Para ela, o ensino tradicional nem sempre será o caminho.

    Eu acho que às vezes a gente precisa entender que os modelos educacionais não conseguem dar conta das perspectivas desses jovens. A educação precisa ser customizada de acordo com o que cada um precisa. O modelo generalista, não vai dar conta de todo mundo.

A diretora adjunta da Fundac, relata que em sua grande maioria, os alunos das unidades vêm de periferias e tiveram relações muito confusas com a educação, quase sempre interrompida de maneira precoce, e muitas vezes não iniciada, por precisarem trabalhar cedo, e que por isso é preciso ajustar o ensino para as necessidades individuais.

    A educação para mudar vidas precisa entender quem é o público dela e que esse público nem sempre vai poder ser colocado dentro de uma caixinha. Não tem como oferecer o mesmo modelo quando algumas pessoas têm demandas muito específicas. A individualidade precisa ser contemplada.

Para Ivete do Araújo, a educação é a grande responsável por todas as mudanças de comportamento de W.V e de muitos outros jovens, assim como a esperança de uma vida diferente.

    ''A educação é um agente de transformação. Sempre ensinei em comunidades e sei disso. Educando mudamos a vida de muita gente. É preciso lançar sementes, semear possibilidades, e a escola faz isso, permite sonhar e realizar.''

Data: 25/03/23

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